Vitamina S: por que a sujeira é importante?

Ter um filho em casa é sinônimo de mudanças, sobretudo, na rotina. E essa rotina, é claro, inclui a limpeza: a higienização é importante, mas ter tudo milimetricamente higienizado pode se tornar inclusive uma obsessão. Aliás, o mundo nunca esteve tão atento a isso, e evoluções como a do saneamento básico — em casos mais drásticos — são apontadas como as grandes responsáveis pela diminuição da mortalidade infantil.

O que a ciência já comprovou, contudo, é que um pouco de “vitamina S” (de sujeira) faz bem para o nosso organismo. Isso mesmo, você não leu errado: é preciso que as crianças se sujem! E não só aquela sujeira típica da introdução alimentar participativa, na qual a própria criança se serve dos alimentos ali dispostos e, com isso, cria aquela bagunça. Estamos falando da sujeira que está por aí, em todos os cantos, e que invariavelmente será impossível de conter permanentemente.

A tal vitamina S não existe, mas é como ficou conhecida a necessidade do contato com a sujeira cotidiana para o bom desenvolvimento do nosso sistema imunológico durante a infância.

Segundo a pediatra e imunologista Fátima Rodrigues Fernandes, do Hospital Infantil Sabará, em artigo para a EBC, o contato com alguns microrganismos é importante porque ensina o sistema imunológico, ainda em fase de desenvolvimento, a funcionar corretamente. “É dessa forma que o organismo cria anticorpos e melhora a sua resistência para quando tiver de enfrentar uma infecção mais complexa. Além disso, o organismo tem capacidade para lidar com germes, bactérias e microrganismos presentes no meio ambiente. Não devemos subestimá-lo”, esclarece.

O mecanismo é bastante simples: nosso corpo não pode se proteger do que não conhece. É preciso esse contato primário (com a sujeira) para que, então, as defesas celulares se preparem e, assim, deixem seu filho mais forte. Se ele nunca tiver esse contato primário, não desenvolverá as defesas necessárias de que o corpo precisa para enfrentar o mundo, que não é sempre estéril e altamente higienizado como buscamos ser em nossa própria casa.

Essa sujeira “do bem” são os chamados “micróbios benfeitores”. Eles têm o papel de sintetizar vitaminas de que o organismo precisa, como a K e algumas do complexo B, transformar substâncias que não somos capazes de metabolizar em partículas absorvíveis e, ao competirem com outros microrganismos, impedem que as espécies prejudiciais se proliferem, como explica Fátima para a Crescer.

Nos primeiros anos de vida, o sistema imunológico está operando em sua maior eficácia para se formar e se “armar”. Boa parte dos nossos mecanismos de defesas essenciais, aliás, são desenvolvidos ainda na infância e nós os levamos para a vida. É nesse período, justamente, que o corpo entende quais substâncias estimulantes oferecem perigo real e quais são inofensivas.

É preciso trabalhar para que seus filhos tenham um microbiota saudável, ou seja, um intestino povoado pelos chamados “micróbios bons”. Isso pode ajudá-los até mesmo a evitar doenças futuras, como diabetes tipo 2 ou obesidade, relacionadas, entre outros problemas, a uma menor variedade de micróbios no intestino.

Por fim, ambientes altamente esterilizados são apontados como causadores de algumas alergias. E essa não é uma afirmação tão nova assim: foi apontada na “Teoria da Higiene”, criada pelo médico inglês David Strachan, em 1989. Isso não quer dizer, é claro, que você deva abdicar de limpar a sua casa ou deixar o seu filho colocar na boca qualquer coisa achada na rua. Mas que tal começar pela “sujeira” da natureza, como o contato com terra e folhas?

Durante a brincadeira, tente também não se preocupar tanto e deixe-o livre para se sujar. E é assim que essa criança, que está progressivamente perdendo os anticorpos que recebeu da mãe durante a gestação e a amamentação, começa a criar o seu próprio mecanismo de defesa: combatendo por si só as impurezas a que é exposta.

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